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quinta-feira, 5 de março de 2020

Um mundo sem nações?

Afinal, o que é uma nação? Para nós, brasileiros, até que não é tão complicado responder a essa questão: em nosso país, não temos situação como, por exemplo, a Bélgica, em que duas identidades nacionais dividem o mesmo território e compõem o Estado nacional, ou a Rússia, que congrega dezenas de nacionalidades; não temos, também, situações como a Coreia, em que a mesma nação forma dois Estados nacionais, ou, segundo alguns, os árabes, que seriam uma nação espalhada por dezenas de estados nacionais, em três continentes.
Definir um Estado nacional é fácil, uma vez que se trata de uma entidade jurídica. Já conceituar nação, não é tão simples. Para uns trata-se de uma identidade cultural (língua, costumes, religião comuns). Acho pobre e falha essa visão. O que são costumes comuns? Seria a comida, por exemplo? Nesse caso, comer macarrão e pizza identificaria os italianos? Seria curioso, pois os moradores do Vêneto (região de onde veio a maior parte dos imigrantes italianos para o Brasil) comia polenta em lugar de massa e só aprenderam a comer pizza quando os soldados americanos libertaram o país dos alemães, nos anos 1940. [...]
Por outro lado, é claro que uma identidade nacional não pode ser vinculada a supostas preferências nacionais, ou hábitos de certos grupos, como querem alguns cientistas sociais um pouco apressados. É inconcebível a ideia de que gostar de bumbum, receber com cafezinho e tomar caipirinha seriam traços identificadores do brasileiro.
[...]
De todas as definições possíveis eu ficaria com aquela que diz que nação é o povo que tem consciência de um passado histórico comum. Passado real ou imaginado. Para efeito dessa consciência não há como separar o concreto do construído: se os americanos se sentem descendentes do Mayflower, os judeus de Davi e os argentinos dos ingleses e se isso alimenta o seu imaginário, isso já é uma consciência de um passado comum.
Volta a meia a questão nacional reaparece. Entre nós andou causando polêmica e tentativa do governo de capitalizar o patriotismo e a identidade nacional, confundir o sentimento de pertinência com a identificação com ele. Ora, nada mais velho do que misturar o baralho: sem querer comparar, todos os governos autoritários tinham frases do tipo Brasil, ame-o ou deixe-o. [...]
No mundo das corporações multinacionais, as nações que pareciam esta destinadas ao lixo da História, se redesenham e buscam se afirmar com base
em um passado comum cada vez mais imaginário. E o mundo sem nações, tão desejado por aqueles que pensam em uma humanidade única e uma cidadania planetária, parece se distanciar cada vez mais do nosso horizonte.

Pinsky, Jaime. Por que gostamos de História. São Paulo: Editora Contexto, 2013. p.79-8

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