A análise de um depoimento de História oral – realizada seja pelo próprio pesquisador, seja por terceiros – deve considerar a fonte como um todo. É preciso saber ‘’ouvir’’ o que a entrevista tem a dizer no que diz respeito às condições de sua produção quando no que diz respeito à narrativa do entrevistado: o que nos revela sua visão dos acontecimentos e de sua própria história de vida acerca do tema, de sua geração, de seu grupo, das formas possíveis de conceber o mundo etc. Tomar a entrevista como um todo significa ouvi-la ou lê-la do início ao fim, observando como as partes se relacionam com o todo e como essa relação vai se constituindo significados sobre o passado e o presente e sobre a própria entrevista. [...]
Esse modo de interpretar pode ser adotado na análise de qualquer tipo de fonte e não se afasta muito da lógica do círculo hermenêutico: o todo fornece sentido às partes, e vice-versa. Por exemplo, em uma frase compreende-se o sentido de uma palavra à medida que tomamos sua relação com toda a frase; inversamente, compreende-se o sentido da frase à medida que compreendemos o sentido das palavras. Em entrevista, compreendermos os conceitos utilizados pelo entrevistado, as formas como se refere a determinados acontecimentos ou situações, as lembranças cristalizadas, os exemplos, os cacoetes de linguagem etc., à medida que tomamos sua relação com o depoimento como um todo, e vice-versa. É nesse círculo que surge o sentido.
É importante lembrar também que as palavras empregadas pelo entrevistado são importantes para interpretação de sua narrativa. A escolha de determinadas palavras e formas de expressar informa sobre a visão mundo e o campo de possibilidade aberto àquele indivíduo, em razão de sua experiência de vida, sua formação, seu meio etc. Se ele escolhe determinadas palavras, e não outras, é porque é daquela forma que se percebe o sentido dos acontecimentos ou das situações sobre as quais está falando. Por isso não cabe acrescentar novas palavras, ou substituir as que são usadas por sinônimos. Ao interpretar uma entrevista, convém ser fiel à lógica e às escolhas do entrevistado.
Há momentos nas entrevistas de História oral – não em todas – em que se pode perceber que a narrativa de determinados acontecimento e situações cristalizar realidade que são condensadas e carregadas de sentido. Nesses
momentos, a narrativa do entrevistado vai além do caso particular e oferecer uma chave para a compreensão da realidade. Quando isso acontece, ela fornece passagens de tal peso que são ‘’citáveis’’. Quase toda entrevista contém histórias. Para Lutz Niethammer, essas histórias ‘’são o grande tesouro da história oral, porque nela se fundem, esteticamente, declarações objetivas e de sentido.’’ Boas histórias, acrescenta, não se deixam traduzir por uma ‘’moral’’ [...]. Apresentadas ao público com propostas de interpretação histórica, permitem que haja uma ampliação de conhecimento. No processo de análise da fonte oral, cabe, pois, atentar para a ocorrência dessas narrativas especialmente pregnantes.
O conteúdo de uma entrevista de História oral sempre estará condicionando àquele caso particular. A narrativa especialmente ‘’citável’’ de determinado acontecimento ou situação terá de ser muito bem contextualizado: quem é seu autor (qualificação do entrevistado)? Em que momento da entrevista contou aquele fato daquela maneira? Que outras circunstâncias são importantes para se compreender o que foi dito? Etc. A contextualização é necessária para se conhecer a própria qualidade do trecho ‘’citável’’.
PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008. p. 187-186
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